A Polícia Federal (PF) indiciou nesta quarta-feira, 20, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso de processo e abolição do estado democrático de direito ao tentar interferir no julgamento da ação penal do golpe, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). O relatório da PF que descreve os indícios de crimes cometidos pelo ex-presidente e o filho foi enviado ao gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes. Em seu despacho, Moraes determinou a aplicação de medidas restritivas contra o pastor Silas Malafaia, alvo de busca e apreensão e de retenção de passaporte (mais informações nesta página).
O Estadão procurou a defesa de Bolsonaro, a qual não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
No documento, a PF relata que encontrou na residência do ex-presidente uma minuta de pedido de asilo político na Argentina. Para os investigadores, se trata de um indício de que Bolsonaro planejou uma fuga para o país vizinho.
O inquérito sobre a tentativa de escapar do julgamento ensejou a imposição de medidas cautelares ao ex-presidente, que está em prisão domiciliar.
"Com base nos elementos probatórios apresentados neste relatório, conclui-se que EDUARDO NANTES BOLSONARO e JAIR MESSIAS BOLSONARO, com a participação de PAULO FIGUEIREDO e SILAS LIMA MALAFAIA, encontram-se associados ao mesmo contexto, praticando condutas com o objetivo de interferir no curso da Ação Penal n. 2668 - STF, processo no qual o segundo nominado consta formalmente como réu", escreveram os os delegados Leandro Almada, Rafael Caldeira e Itawan Pereira no relatório de 170 páginas.
Esposas
A PF analisou as movimentações bancárias de Bolsonaro e Eduardo e identificou um "modus operandi" de pai e filho de repassar dinheiro para as contas de suas mulheres "para dissimular a origem e o destino de recursos financeiros com o intuito de financiamento e suporte das atividades de natureza ilícita do parlamentar licenciado no exterior".
Segundo os investigadores, o ex-presidente transferiu R$ 2 milhões para a conta da sua esposa, Michelle Bolsonaro, e, no dia seguinte, Heloísa Bolsonaro, esposa de Eduardo, recebeu os valores em sua conta. A transferência de Bolsonaro para Michelle ocorreu um dia antes de o ex-presidente comparecer à PF para prestar depoimento sobre as ações de Eduardo nos Estados Unidos.
A avaliação da PF é de que o deputado federal usou a conta bancária de sua esposa "como forma de escamotear os valores encaminhados por seu genitor, utilizando como conta de passagem, com a finalidade de evitar possíveis bloqueios em sua própria conta".
Os investigadores também identificaram uma série de compras de dólar por Bolsonaro. Foram identificadas ao menos seis operações de câmbio realizadas pelo ex-presidente entre janeiro e julho deste ano. As movimentações foram identificadas por meio da quebra do sigilo bancário de Bolsonaro e Eduardo. O ex-presidente, segundo a investigação, também fez saques de dinheiro em espécie no valor total de R$ 130 mil no mesmo período.
"O conjunto de elementos probatórios arrecadados indica, portanto, que o ex-presidente Jair Bolsonaro atuou deliberadamente, de forma livre e consciente, desde o início de 2025 e com maior ênfase, nos meses de maio, junho e julho de 2025 - quando se acentuaram as ações de Eduardo Bolsonaro no exterior - com a finalidade de se desfazer dos recursos financeiros que tinha em sua posse imediata, bem como evitar possíveis medidas judiciais que limitassem e/ou impedissem de consumar o intento criminoso de apoiar financeiramente as ações do parlamentar licenciado no exterior", escreveu a Polícia Federal.
'Perseguido'
Conforme a investigação da PF, a minuta, com pedido de asilo político na Argentina, foi produzida após a deflagração da operação relacionada ao inquérito sobre o plano de golpe de Estado, que resultou na ação penal na qual Bolsonaro é réu no Supremo.
De acordo com a PF, o arquivo foi editado pela última vez em fevereiro de 2024. No documento, endereçado ao presidente argentino, Javier Milei, Bolsonaro afirma que é "um perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos".
Cerca de dois meses antes da última edição deste documento, em 5 de dezembro de 2023, o ex-presidente informou a Moraes que iria viajar para a Argentina nos dias 07 a 11 de dezembro. Segundo a defesa de Bolsonaro, o aviso ocorreu devido às diversas investigações nas quais o ex-presidente era alvo. "Jair Bolsonaro esteve, então, presente na posse do atual mandatário argentino, em comitiva acompanhada por seu filho Eduardo Bolsonaro, dentre outros aliados", escreveu a PF em seu relatório.
"Os elementos informativos encontrados indicam, portanto, que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha em sua posse documento que viabilizaria sua evasão do Brasil em direção à República Argentina, notadamente após a deflagração de investigação pela Polícia Federal com a identificação de materialidade e autoridade delitiva quanto aos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito por organização criminosa", concluíram os investigadores.
Diálogos
No material que instrui o inquérito que tramita no Supremo sobre a tentativa de coação de integrantes da Corte para evitar o julgamento da ação penal do golpe, há conversas de áudio extraídas do celular de Bolsonaro e nas quais ele afirma ao filho Eduardo que mantém diálogo com ministros da Corte.
Segundo o relatório da PF, no dia 27 de junho o ex-presidente disse a Eduardo: "Esqueça qualquer crítica ao Gilmar", em possível menção ao ministro Gilmar Mendes. Bolsonaro então afirma que tem "conversado com alguns do STF" e que "todos ou quase todos demonstram preocupação com sanções", referindo-se às medidas que viriam a ser adotadas pelos EUA contra o Brasil. Nas mensagens, o ex-presidente não especifica com quais ministros teria conversado.
Xingamentos
As mensagens obtidas pela PF no celular do ex-presidente mostram também Eduardo xingando o pai e criticando gestos feitos por Bolsonaro ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Na visão do deputado federal, as declarações de Bolsonaro em apoio a Tarcísio poderiam atrapalhar o trabalho feito por ele e pelo comunicador Paulo Figueiredo perante o governo Donald Trump para sancionar autoridades brasileiras na tentativa de salvar o ex-presidente de uma eventual condenação por tentativa de golpe.
Tarcísio é cotado para ocupar uma candidatura no campo bolsonarista na eleição presidencial de 2026, mas o filho do ex-presidente também quer a bênção do pai para se candidatar.
Em uma das mensagens mais fortes, segundo a PF, Eduardo escreve a Bolsonaro no dia 15 de julho: "Eu ia deixar de lado a histório do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando em dar uma porrada nele, para ver se vc aprender. VTNC SEU INGRATO DO C......".
Na entrevista citada, Bolsonaro diz que falou com o filho para interromper os ataques a Tarcísio, mas que, apesar de Eduardo ter 40 anos "ele não é tão maduro, talhado para a política".
"Me f...... aqui! Vc ainda te ajuda a se f.... aí! Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f.... é vc e VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA NESTA P.... AQUI. TENHA RESPONSABILIDADE!", continua Eduardo Bolsonaro, segundo o documento da PF.
Horas depois, já na madrugada do dia 16, o deputado federal pede desculpas ao pai. "Desculpa. Peguei pesado. Estava p... na hora", diz ele na mensagem enviada a Bolsonaro.
No dia 24 de junho, Bolsonaro manda uma notícia de uma pesquisa eleitoral para Eduardo Bolsonaro. O levantamento aponta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perderia para o próprio Bolsonaro, Tarcísio e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. "Você perde para o molusco. Vagão 39,1 x 41,6 Lula", escreve o ex-presidente para o filho, que responde com ironias.
O governador de São Paulo foi procurado por meio da assessoria de imprensa, mas não se manifestou até as 22h de ontem. Eduardo Bolsonaro publicou uma nota nas redes sociais na qual afirma que sua atuação nos Estados Unidos "jamais teve como objetivo interferir em qualquer processo em curso no Brasil".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.