Elano, campeão de Libertadores, Copa América e jogador da Copa do Mundo de 2010 com a seleção brasileira, vive um sonho em 2025. No Guarani, pela Série C. Em conversa com o Estadão, o coordenador técnico do clube conta os bastidores de quando teve de conter invasão de torcedores ao CT, até a briga no quadrangular de acesso com o time pelo qual jogou apenas na base.
O Guarani estreou com derrota para a Ponte Preta, em partida marcada por confusão entre torcida e polícia. Porém, são mais cinco rodadas, em novo clássico, além de Náutico e Brusque pela frente. Elano conta como conquistou a confiança dos torcedores e jogadores para a recuperação. O ex-jogador ainda fala sobre os sonhos que tem na função de coordenador técnico, principalmente para as categorias de base
"A questão da formação é bem voltada para o lado de você entender o sonho de cada menino que esteja ali. Esse é o primeiro ponto. Eu posso dizer com propriedade, porque eu morei no alojamento e tinha um sonho de entrar no estádio profissional", relembra.
Você chegou ao Guarani com a missão de não cair para a Série D e agora pode chegar à Série B. Qual o balanço que já pode ser feito?
Eu acho que a vinda para o Guarani me resgatou uma situação muito emocionante e uma ligação muito forte que eu tenho. Foram cinco anos na categoria de base, morando embaixo dos tijolos do Brinco de Ouro, né? E eu só peguei o Guarani em Série A. Mesmo na base, fui gandula em muitos jogos.
E o meu retorno me remete a muitas histórias. A cada porta, a cada lugar que eu entro. E poder receber um convite num momento muito delicado... eram três, quatro jogos, zero pontos, numa competição difícil. A Série C tem os times muito nivelados por cima.
A primeira coisa que você faz, olha para tabela para você vir assumir o compromisso. Mas são duas situações em que eu sinto muita paz. Uma é o convite e essa nova função como coordenador técnico.
Eu fiquei dois anos em casa, repensando e reorganizando a minha cabeça. Voltei a estudar. E a ligação de ter retomado e me sentir completo profissionalmente hoje, porque eu não voltei para o profissional do Guarani, que é uma coisa que eu sonhei e não consegui. E foi isso que me trouxe de volta para o Guarani, o sonho realizado de estar no profissional e o objetivo de um trabalho muito duro que a gente tinha para fazer.
O Guarani tem um time equilibrado para a disputa da Série C, com jogadores jovens e outros experientes. Você tem focado um tanto no trabalho com a base. Já vê resultados?
Olha, eu confesso para você que ainda não está do jeito que eu gosto. Eu confesso para você que eu tenho feito pouco (quanto à formação). Meu sonho agora é melhorar a estrutura do Guarani, de treinamento, principalmente da categoria de base, porque eu acho que o Guarani é um clube formador.
Eu queria poder ter muito mais meninos treinando no profissional, mas o momento não está tão favorável assim para os meninos tão novos. E o objetivo principal é revelar.
A essência do Guarani é ser um clube formador. Eu sou formado no Guarani. Eu não tenho como trabalhar no profissional sem olhar para base e eu tenho feito, da minha forma, essa conexão entre a base e profissional. Muito dos meninos, até do sub-15, já têm treinado nos profissional da Série C.
Eu sei o resultado que o Guarani pode ter. Eu já tenho uma metodologia escrita baseada no que o Guarani vive. É formação, conceitos de treinamento, um modelo em cima da história do Guarani.
Como é essa metodologia?
A questão da formação é bem voltada para o lado de você entender o sonho de cada menino que esteja ali. Esse é o primeiro ponto. Eu posso dizer com propriedade, porque eu morei no alojamento e tinha um sonho de entrar no estádio profissional.
Hoje mudou muita coisa, os meninos têm acesso às coisas muito mais rápido. Mas o sonho continua o mesmo. É com a forma que a gente vai conduzir esse sonho é que a gente precisa ter um cuidado.
Quando eu falo da estrutura, eu quero dar uma arrumada no alojamento, melhorar a conectividade, melhorar a relação com o treinador, com o preparador físico, as divisões entre categorias, a relação do treinador do profissional com todo o processo de base.
O jogador conseguir entender o que o treinador do profissional faz para que a gente consiga fazer um pouquinho embaixo e, com o tempo, ir ganhando o corpo e formando com a metodologia do Guarani.
O Guarani, ao longo do tempo, do goleiro ao centroavante, sempre teve jogadores técnicos. Foram jogadores tecnicamente elaborados, com refino. Careca, Amoroso, Djalminha, Luizão, João Paulo, Zenon. Zagueiros, Júlio César, Ricardo Rocha.
O Guarani tem uma essência que o torcedor gosta de ver um jogador do Guarani tecnicamente equilibrado. E, consequentemente, você consegue fazer isso se você forma. Esse é o meu sonho, porque tem todo um processo analítico que pode ser feito, mas tem toda uma parte tática que pode ser trabalhada, uma parte mental que pode ser implantada.
Então, assim, entendendo o sonho e centralizando um pouco de cada coisa, eu acho que a gente consegue colher muitos frutos aqui dentro.
É uma ideia possível na função de coordenador. Quais diferenças você mais sente deste cargo em relação a quando foi técnico?
Para se tornar coordenador, você tem de furar a bolha, porque é normal e também é compreensível que o treinador sempre entenda isso como uma sombra. Eu agradeço que eu trabalhei com o Marcelo (Fernandes), que foi o primeiro treinador que eu conheci como coordenador.
Eu não posso ser invasivo. No momento errado, eu não posso tomar alguma decisão que não seja do treinador. Então, primeiramente, eu tenho de ter a confiança do treinador para que eu possa transmitir tudo aquilo que eu penso para ele, poder ajudá-lo e conectar com os jogadores para que eu possa entender o problema, a dificuldade que o jogador tem, através da minha experiência, eu tenho essa troca de informação e levo para o treinador. Quando entra na parte tática, eu pego o jogador e levo ao treinador e falo: Ó, por favor, explica para ele qual é a sua dificuldade.
Mesmo com a saída do Marcelo, eu não tive problema nenhum. Isso, para mim, já foi uma grande conquista, porque não é simples. Isso foi muito bem aceito com a chegada do Matheus (Costa), que vai ser um dos grandes treinadores do nosso País, pela sua organização de jogo, pelos seus modelos, pela forma que transmite as informações para o jogador.
Você pensa que é uma vida mais complexa que a do treinador?
Não, porque a vida do treinador tem uma complexidade do resultado imediato. Como coordenador, eu tenho essas funções, mas eu tenho uma tranquilidade.
Por exemplo, eu chego às 7h30 todos os dias no clube. Tenha treino ou não tenha, ou eu vou na base. Mas eu consigo almoçar em casa. Às 17h, 18 horas, eu estou de volta em casa. Consigo jantar todos os dias com a minha família. Eu não tenho de montar treino.
São quatro funções que eu fico ligado diariamente, que é a questão do departamento médico, para levar essa informação para o treinador; o monitoramento de mercado, que agora fechou a janela, então nós as encerramos. A conexão com a base. E, dentro do processo do clube, lógico, pela liberdade que o treinador me dá, pela conexão que eu tenho com a diretoria.
O começo não foi tão tranquilo assim, teve bronca da torcida no primeiro dia.
É, foi uma invasão, mas no momento, nós conseguimos conversar. Eu pedi para os meninos da torcida. São três torcidas (organizadas). E a que não foi no CT, eu fiz questão de recebê-los lá no estádio.
E eles me ouviram por causa da minha ligação, porque eles sabem que eu sou Guarani também. Eles sabem que eu torço pro Guarani, eles sabem que eu gosto do Guarani. Alguns mais novos da torcida não conheciam, aí eu tive que explicar lá na hora.
E aí, basicamente, eu coloquei para eles que eles iam ter transparência dentro do trabalho, que é o que eles pediam, não posso falar do que estava acontecendo, eu falo de quando eu cheguei para frente, mas transparência, de a gente trocar uma informação, saber das dores deles um pouco... eu entendo um pouco das dores deles, o Guarani vem sofrendo há algum tempo. Aquele momento tava sendo muito duro para todo mundo.
E disse que a gente ia fazer o máximo possível para a gente mudar isso aí. Mas não é soltando bomba na porta do vestiário que a gente vai conseguir mudar. A gente vai ter de entender o momento, sofrer mais um pouquinho junto para que a gente consiga contratar os jogadores que a gente pensa, que a gente tem em mente e remar junto. Transformar o Guarani naquilo que a gente sonha.
E eles deram um voto de confiança para a gente. Antes do jogo do Tombense, os caras vieram aqui no estádio depois de um treino agradecer aos atletas pelo momento.
Para você sair dos momentos difíceis, você tem de estar conectado com todos. Não só a torcida, a gente tem feito um trabalhinho de formiguinha também, que é a conexão com os funcionários do clube.
Eu disse para os jogadores que, se a gente não tivesse não classificasse, eles basicamente estariam dois, três, quatro meses sem serviço. Eu acho que não tem como deixar o lado humano fora. Eu não consigo deixar isso fora e, como coordenador, eu consigo fazer com mais calma. Como treinador, eu tinha de focar no campo.
Que hoje fica com o Matheus.
A harmonia de fora, essas coisas boas, os funcionários felizes, as coisas caminhando, eu acho que o campo vai andando bem também. E ter um cara de confiança da tua torcida ali, ajuda tudo. O torcedor se acalma e apoia mais e isso faz diferença.
Eu tenho de tirar o chapéu para os jogadores também. Porque foi muito duro para eles,. A gente ia para o vestiário e dalava para os caras: "Meu, sustenta, aguenta aí, vai para o jogo, vai leve, nós vamos mudar o ambiente". Só que quem consegue mudar são só os jogadores. Fora do campo, a gente, o nosso trabalho é de formiguinha. A gente precisa ser verdadeiro com o cara dentro do vestiário, falar: "Rapaziada, nós precisamos ter resultado".
Mas isso aí não pode ser um peso. Tem de ser um divertimento, porque a nossa profissão é jogar bola. E vai dar tudo certo.
Um grupo muito legal, uma galera muito sincera, muito transparente, incomodada com o jeito que estava. O maior mérito dessa conquista até agora, não tenho dúvida, é dos jogadores.
O Guarani volta a campo no sábado, dia 13, contra o Náutico, no Estádio dos Aflitos, pela segunda rodada do quadrangular de acesso da Série C