Em 1989, os EUA invadiram o Panamá sob a justificativa de combater o narcotráfico. A operação Just Cause, como ficou conhecida, foi a última intervenção direta dos EUA na América Latina. Mais de três décadas depois, os motivos verbalizados por George Bush retornam no discurso de Donald Trump, que determinou o envio de milhares de militares e navios de guerra para perto da Venezuela.
Desta vez, o acusado de narcotráfico é o ditador, Nicolás Maduro. Foram mobilizados pelo menos 4,5 mil militares, três contratorpedeiros e um grupo de assalto anfíbio, além de aviões espiões e outros equipamentos. Os paralelos com a invasão do Panamá acabam por aí.
Analistas veem como improvável que os EUA repitam uma operação no modelo de 1989. "Embora a Venezuela tenha enfrentado dificuldades e seus gastos com defesa sejam menos de 1% do que os EUA gastam, estamos falando de um país com uma milícia que tem o potencial de mobilizar milhares de pessoas", afirma Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, referindo-se à Milícia Bolivariana.
TERRITÓRIO. A extensão territorial da Venezuela e a atual situação política da América Latina, menos dependente de Washington do que na década de 1980, são outros fatores que distanciam as duas situações, acrescentou Muggah. Entretanto, as diferenças não significam que a mobilização da tropa seja inofensiva. "O que foi anunciado como estratégia de combate ao narcotráfico se assemelha mais a um modelo de diplomacia coercitiva na região", diz Muggah.
Sob essa perspectiva, a ação dos EUA é vista como parte de uma política em vigor desde a Doutrina Monroe, no século 19, que buscou expulsar potências estrangeiras e estabelecer a influência americana na região. No século 20, o que caracterizou essa política foram as intervenções contra governos não alinhados. A maioria teve o desfecho de golpe de Estado e ditadura, incluindo o Brasil.
O século 21 começou na América Latina com a ascensão democrática de governos de esquerda. Nos EUA, com o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Na economia global, com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio. Isso diminuiu o poder dos EUA na região.
PRESSÃO. O primeiro líder de esquerda latino-americano eleito foi Hugo Chávez, em 1998, na Venezuela, que sofreu uma tentativa de golpe de Estado em 2002, quando os EUA reconheceram Pedro Carmona como presidente interino. Três anos depois, Chávez criou a Milícia Nacional Bolivariana.
Uma vez, Chávez disse: 'Não vamos cometer os mesmos erros que outros presidentes progressistas. Estamos nos preparando para uma intervenção dos EUA'", contou o jornalista americano John Dinges, autor do livro Operação Condor, sobre os laços de Washington com a ditadura de Augusto Pinochet, no Chile.
A desconfiança com relação aos EUA se reproduziu em outros governos, o que levou a Nicarágua, de Daniel Ortega, a estreitar laços militares com a Rússia, por exemplo. Enquanto as mudanças ocorriam, Washington concentrava as atividades na região em operações contra o narcotráfico, o que possibilitou aos EUA manter uma estrutura militar e de inteligência dentro de países latino-americanos.
Quando Trump retornou à Casa Branca e nomeou Marco Rubio como secretário de Estado, a região voltou a ser tema frequente. Segundo analistas, no entanto, a preocupação com a Venezuela mostra que a intenção não está ligada exclusivamente à guerra às drogas.
Segundo o Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, a Venezuela é responsável por cerca de 7% das remessas de cocaína para os EUA. Equador, Colômbia e Peru cumprem função maior na logística do narcotráfico, mas não sofreram a mesma ofensiva. A Casa Branca também ameaçou enviar militares para combater cartéis no México, mas recuou e mantém diálogo com o governo de Claudia Sheinbaum.
Para Muggah, Trump tem pressa em demonstrar resultados aos seus eleitores e interesse em mudar o regime venezuelano. Outras análises, como a elaborada pelo centro de estudos Crisis Group, acrescentam que a mobilização afetaria o comércio de petróleo com a China e pressionaria ainda mais a economia venezuelana.