Supremo condena Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão por tramar golpe

Por FAUSTO MACEDO, RAYSSA MOTTA, KARINA FERREIRA, JULIANO GALISI, ZECA FERREIRA, PEDRO AUGUSTO FIGUEIREDO, WESLLEY GALZO, CAROLINA BRÍGIDO, GUILHERME CAETANO, GUSTAVO CÔRTES, ADRIANA VICTORINO E RAYANDERSON GUERRA, LAVÍNIA KAUCZ, PEPITA ORTEGA, RAISA TOLEDO - 12/09/2025 07:00

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. Bolsonaro, de 70 anos, foi sentenciado por liderar um plano de ruptura institucional com o objetivo de se manter no poder após a derrota na eleição presidencial de 2022. Além dele, outros sete réus, incluindo militares de alta patente, foram condenados na ação penal.

Considerado histórico, o julgamento marcou a primeira condenação de um ex-presidente e oficiais do alto escalão das Forças Armadas por atentar contra a democracia no Brasil. Os crimes estão previstos na Lei n.º 14.197, sancionada pelo próprio Bolsonaro, que substituiu a Lei de Segurança Nacional (LSN).

Depois de formar maioria para condenar o ex-presidente por todos os cinco crimes atribuídos a ele na denúncia, a Primeira Turma definiu o tamanho da pena. Da punição de 27 anos e 3 meses de prisão, Bolsonaro deve cumprir 24 anos e 9 meses de reclusão e 2 anos e 6 meses de detenção, ou seja, em regime semiaberto ou aberto.

Monitorado por tornozeleira eletrônica, o ex-presidente cumpre atualmente prisão preventiva domiciliar por descumprimento de medidas cautelares em outro inquérito. A determinação foi dada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que terminou com a condenação do chamado "núcleo crucial" da trama golpista, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Além disso, a Primeira Turma do STF também aplicou ao ex-presidente uma multa de 248 salários mínimos. O valor exato ainda será calculado no processo. É considerado o valor do salário mínimo vigente à época dos crimes e, depois, o total é atualizado até a data do pagamento.

Bolsonaro foi condenado por cinco crimes - organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

Como relator do processo, Moraes sugeriu a pena e foi acompanhado por outros três ministros da Turma: Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Luiz Fux, o único ministro que votou pela absolvição de Bolsonaro, não se posicionou a respeito da dosimetria.

MAIORIA. Zanin, que preside a Primeira Turma da Corte, foi o responsável pelo quarto e último voto para condenar o ex-presidente e os outros sete réus. O placar do julgamento ficou em 4 a 1. Completaram a maioria Moraes, Dino e Cármen Lúcia. Fux foi o único que divergiu e ficou vencido.

Além do ex-presidente, foram condenados no processo Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro).

Delator no processo criminal, Cid recebeu a pena mais branda: 2 anos em regime aberto. Braga Netto foi condenado a 26 anos em regime inicial fechado; Torres e Garnier, a 24 anos em regime inicial fechado; Paulo Sérgio, a 19 anos em regime inicial fechado; Augusto Heleno, a 21 anos em regime inicial fechado; e Ramagem, a 16 anos, 1 mês e 15 dias em regime inicial fechado.

A sessão de ontem foi marcada pelos votos de Zanin e Cármen Lúcia. O ministro, que chegou ao Supremo após se notabilizar como advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que o indicou para a Corte - defendeu em seu voto que Bolsonaro era o líder de uma organização criminosa, tinha "posição de comando" e seria o maior beneficiário de um golpe.

'CONEXÃO'. Para Zanin, os discursos do ex-presidente contra as urnas e o Poder Judiciário têm "evidente conexão causal" com o fomento a ações violentas. Pelo seu entendimento, Bolsonaro incitava publicamente a militância para minar a confiança nas instituições, enquanto, nos bastidores, aliados, com aval do então presidente, articulavam as medidas operacionais do golpe.

"Muitos dos fatos que envolvem a participação do ex-presidente foram materializados de forma pública em manifestações nas quais o esgarçamento das relações institucionais se apresentava como estratégia política populista, mas cujos contornos mais ilegítimos foram revelados por um universo robusto de provas documentais e testemunhais", afirmou Zanin.

Além dos discursos, o ministro destacou atos efetivos do ex-presidente, como a apresentação aos comandantes das Forças Armadas da "minuta de golpe". Em interrogatório, o ex-presidente admitiu ter considerado decretar estado de defesa ou de sítio, mas alegou que desistiu da ideia depois de concluir que as medidas não teriam viabilidade.

O ministro conectou uma cadeia de acontecimentos que, na avaliação dele, culminaram no 8 de Janeiro - quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, em Brasília. A estratégia foi a mesma usada na denúncia da PGR e no voto de Moraes.

"Não houve mera expressão de opiniões controversas, mas um concerto de ações voltadas à permanência no poder. Primeiro, por meio da tentativa frustrada de coatar a livre atuação do Poder Judiciário e de interferir nas eleições. Depois, por meio de atos de força que viabilizassem como estopim a deflagração de uma resposta institucional armada com apoio das Forças Armadas e manutenção do grupo no poder", defendeu Zanin.

DEPUTADO. Todos os réus - exceto Ramagem - foram condenados pelos cinco crimes relacionados na acusação formal. Em relação ao deputado do PL, o processamento da denúncia dos crimes associados ao 8 de Janeiro (deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União) estão suspensos, porque ocorreram após a diplomação dele no Congresso. Após condenar Ramagem a 16 anos de prisão, o STF declarou a perda do mandato do parlamentar. O voto de Moraes foi acompanhado por Dino, Cármen Lúcia e Zanin. Agora, a Câmara será notificada para sustar o mandato.

Primeira a se manifestar ontem, depois da divergência aberta pelo ministro Luiz Fux em voto de mais de 12 horas proferido anteontem, Cármen Lúcia afirmou que o julgamento do ex-presidente dos outros réus é "quase um encontro do Brasil com o seu passado, com seu presente e com o seu futuro".

'DIFERENCIAL'. Antes de iniciar a leitura do voto, a ministra fez um discurso sobre a importância do processo para a democracia. "Talvez o diferencial mais candente desta ação penal seja, além do ineditismo do tipo penal a ser aplicado, a circunstância de estarmos a afirmar que a lei é para ser aplicada igualmente para todos", disse Cármen Lúcia.

Sem mencionar Fux, que defendeu que "não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim", a ministra afirmou que o STF tem o "compromisso" de dar uma resposta à sociedade. "Não há que se inventar normas ad hoc para punir golpistas. Isso também seria autoritarismo e, portanto, uma afronta ao estado democrático de direito. Mas, no Brasil, o que estamos tentando fazer é valer a norma vigente."

Com esse posicionamento, Cármen Lúcia se alinhou ao relator, Moraes, que descartou a "impunidade" como alternativa para a pacificação do País, e a Dino, para quem os crimes contra a democracia não são sujeitos a anistia.

"O que define a paz que nós sempre devemos buscar não é a existência do esquecimento. Às vezes, a paz se obtém pelo funcionamento adequado das instâncias repressivas do Estado", defendeu Dino.

Apesar da condenação pelos cinco crimes, a prisão definitiva de Bolsonaro não ocorre automaticamente. Depois da decisão, começam a contar os prazos para recursos. Caso seja decretado o início imediato do cumprimento da pena, o colegiado vai decidir se Bolsonaro continua em prisão domiciliar ou se será transferido para a penitenciária da Papuda, em Brasília, ou ainda para uma cela especial da Polícia Federal.

No STF, a regra é que o condenado aguarde em liberdade o trânsito em julgado, quando todos os recursos disponíveis à defesa já foram esgotados. Mas, como Bolsonaro já está em prisão domiciliar, é improvável que ele seja liberado até a análise dos recursos.

No caso dos réus que não estão presos, eles podem recorrer em liberdade até a análise de todos os recursos, exceto se for decretada uma prisão provisória para evitar fuga, por exemplo.

Defesa nega crimes e fala em recurso 'no âmbito internacional'

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou, em nota, que recebeu a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) "com respeito". "Contudo não pode deixar de manifestar profunda discordância e indignação com os termos da decisão majoritária. Nesse sentido, continuaremos a sustentar que o ex-presidente não atentou contra o estado democrático, jamais participou de qualquer plano e muito menos dos atos ocorridos em 08 de janeiro", afirmaram os advogados Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno.

Também continuamos a entender que o ex-presidente deveria ter sido julgado pela primeira instância ou, se assim não fosse, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal; da mesma forma, não podemos deixar de dizer, com todo o respeito, que a falta de tempo hábil para analisar a prova impediu a defesa de forma definitiva", destacaram.

Na mesma linha, também por meio de nota, a defesa do general Braga Netto disse que recebeu a decisão "com o respeito de sempre". "Mas não podemos deixar de registrar a indignação com o fato de a Turma ter convalidado, especialmente, o manifesto cerceamento de defesa ocorrido no caso", afirmaram os advogados. "Somente dias antes do início da instrução é que tivemos acesso a todos os elementos reunidos na investigação."

Os defensores reiteraram a queixa de que não tiveram "tempo para analisar o material". "E o prejuízo disso é evidente", concluíram os advogados de Braga Netto.

A defesa de Bolsonaro concluiu sua manifestação com o entendimento de que "as penas fixadas são absurdamente excessivas e desproporcionais". "Após analisar os termos do acórdão, ajuizará os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional."

Após o reconhecimento de sua delação premiada e a condenação a dois anos de prisão em regime aberto, a defesa do tenente-coronel Mauro Cid vai pedir ao Supremo que o período no qual ele passou preso e também com tornozeleira eletrônica seja abatido desse tempo.

As informações são do jornal O Estado de São Paulo