Os bares da alta coquetelaria de São Paulo dizem criar obstáculos para o crescimento da indústria de falsificação das bebidas alcoólicas, como a adulteração por metanol. Autoridades paulistas investigam cinco mortes por suspeita de intoxicação pela substância. Há sete casos confirmados e 15 em investigação.
Alê Bussab, sócio e bartender do Trinca Bar, conta que já foi assediado para vender garrafas vazias. "Logo no início da nossa empresa, fazíamos eventos no Rio de Janeiro, e certo dia uma pessoa quis comprar todas as garrafas vazias que sobravam. Nunca vendi porque sempre soube qual era a finalidade: encher as garrafas com outro tipo de álcool", diz ele, responsável pelo bar em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Jean Ponce, do Guarita, também em Pinheiros, relata ser proativo contra riscos de falsificação. "'Zeramos' as garrafas, arrancamos o rótulo, tiramos a biqueira (bico da garrafa) e nunca jogamos as tampas no mesmo lugar das garrafas. Tudo isso para dificultar que qualquer um tente reutilizá-las."
No caso do Guarita, outra providência prática está sendo tomada, desta vez para resguardar o próprio estabelecimento. "Tomamos a decisão de não deixar nenhum cliente trazer outra garrafa de fora do nosso estabelecimento. Isso afeta, principalmente, a questão do vinho. Algumas pessoas 'pagam a rolha' para trazer seu próprio vinho para consumo dentro do bar. A partir de agora, isso não será mais permitido", explica Ponce.
Os casos de intoxicação por metanol após ingestão de bebidas alcoólicas em São Paulo já estão impactando o setor de bares de alta coquetelaria da cidade. Desde sábado, 27, os estabelecimentos notaram queda no movimento, com reservas canceladas, além de maior questionamento de seus clientes sobre a procedência das bebidas.
"O impacto é significativo. Reservas estão sendo canceladas e os clientes têm deixado claro que a questão é o medo da intoxicação por bebida falsa. Todo o setor está sendo atingido. Precisamos focar em esclarecer nossos clientes sobre a segurança e confiabilidade dos produtos que trabalhamos", conta Ricardo Miyazaki, proprietário do The Punch, no Paraíso, na zona sul paulistana.
"Esse é um momento muito delicado e importante. Desde o último fim de semana, estamos com muitas reservas questionadas, com clientes querendo trazer suas próprias bebidas de casa ou perguntando se sou eu mesmo quem autoriza a compra das bebidas", disse Jean Ponce, proprietário do Guarita Bar.
Para o sócio do Caledonia Whisky & Co., Maurício Porto, a notícia das intoxicações por metanol já pode ter efeitos negativos. "Tivemos um sábado ruim. Ainda não é possível ter certeza, mas isso já pode ser reflexo da repercussão dos casos de adulteração", comenta Porto.
"Esse é, especialmente, um momento muito frágil para os bares. Outubro e novembro são meses para se fazer caixa. Historicamente, fim de dezembro e janeiro são meses fracos. Se houver queda significativa agora, as casas podem passar por dificuldades em breve", completa. O Caledonia fica em Pinheiros.
Márcio Silva, sócio do Exímia Bar, no Jardim Paulistano, também já sente mudança no comportamento de seus clientes. "Por causa de poucas pessoas, o mercado inteiro paga. No setor de eventos do Exímia (o 2º andar da casa costuma ser fechado para eventos), notamos questionamento maior sobre o que é servido, uma preocupação extra de quem contrata o espaço", fala.
Sócio das casas HighLine, Seu Justino e Pracinha do Seu Justino, Léo Cury acredita que os casos de intoxicação vão "estremecer bastante o comportamento do consumidor". "Só nesta terça já recebi três ligações de pessoas com dúvidas sobre as bebidas. Já tenho reservas para o próximo fim de semana que estão penduradas", disse.
Teve início nesta terça-feira, 30, a interdição de estabelecimentos com suspeita de comercialização de bebidas fraudadas. Ao menos quatro estabelecimentos foram fechados. Um dos alvos da ação foi o bar Ministrão, na Alameda Lorena, nos Jardins, onde uma das vítimas disse ter consumido bebida alcoólica antes de passar mal e perder a visão. Ela continua hospitalizada.
O bar nega a venda de bebidas fraudadas. "Esclarecemos que todas as nossas bebidas são adquiridas de fornecedores oficiais, com nota fiscal e procedência garantida, provenientes de grandes distribuidoras reconhecidas no mercado. Nossa equipe jurídica já está em contato com os fornecedores para apurar todos os detalhes", disse, em nota, nas redes sociais.
Bebidas rastreáveis
O que os bares de alta coquetelaria, por meio de seus proprietários, dizem para tranquilizar seus clientes é que todo o processo de compra de bebidas passa por uma cadeia fechada e rastreável.
Segundo os principais representantes da cena de coquetelaria de São Paulo, os bares compram das próprias marcas (importadores) ou de distribuidores homologados - o que significa dizer que todos os lotes são rastreáveis.
"A gente compra direto da marca ou dos homologados. Eventualmente, pagamos até mais por isso, mas cortamos toda a possibilidade de falsificação. Tudo é comprado com nota e pode ser rastreado", diz Porto.
"Bares de alta coquetelaria e grandes grupos fazem isso - até porque trabalham com acordos entre marcas. O que gera a falsificação é comprar de fornecedor desconhecido. Se a promoção é muito grande, tem 'boi na linha'", completa.
A questão parece mesmo evitar o "canto da sereia" de supostos fornecedores que surgem com preços "imperdíveis". "Só trabalhamos com fornecedores homologados pelas marcas, mas não é raro eu receber mensagens no WhatsApp de pessoas querendo vender garrafas de bebidas por preços muito abaixo do mercado", disse Gabriel Santana, proprietário do Santana Bar e do Cordial. "É difícil encontrar preços muito abaixo da média do mercado. Não compramos nada que não venha de alguém certificado."
Léo Cury é outro diz receber ligações constantes de pessoas querendo vender bebidas por preços muito mais baratos. "Não conversamos. Até porque temos contrato com os fabricantes que nos obriga a comprar deles ou dos homologados", explica.