Lobista orçava preços no STJ, diz PF: '20 milhões para investir lá em cima'

Por Rayssa Motta, Felipe de Paula e Fausto Macedo - 27/10/2025 14:35

"Vocês têm que preparar uns R$ 20 milhões para investir lá em cima, e aí resolve, caso contrário é perigoso", disse o advogado Roberto Zampieri - apontado como "lobista de venda de sentenças judiciais" - em mensagem para o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. O diálogo, recuperado pela Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Sisamnes, ocorreu via WhatsApp em de 26 de março de 2022 - Zampieri foi assassinado em dezembro de 2023, à porta de seu escritório em Cuiabá.

Para os investigadores, a comunicação entre os lobistas escancara detalhes do suposto esquema de venda de sentenças judiciais e a movimentação de cifras milionárias para influenciar decisões até no Superior Tribunal de Justiça - a expressão "lá em cima", na análise dos investigadores, seria uma referência à Corte superior.

A Operação Sisamnes teve origem em uma investigação sobre suposta venda de sentenças em tribunais de justiça estaduais, como o de Mato Grosso, onde Zampieri tinha forte influência sobre desembargadores.

O caso chegou ao STF porque surgiram menções a gabinetes de ministros do STJ.

Segundo a PF, as mensagens dos lobistas fazem crescer a suspeita de envolvimento de servidores ligados aos gabinetes das ministras Isabel Gallotti e Nancy Andrighi e do ministro Og Fernandes.

Os ministros não são alvo da investigação. Por sua assessoria, Og Fernandes afirmou que "não tem conhecimento desses novos fatos e reforçou que, respeitando o direito ao contraditório, quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais cabíveis".

O gabinete de Nancy Andrighi afirma que "os processos de responsabilização encontram-se em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar".

Isabel Gallotti informou, por sua assessoria no STJ, que "desconhece o conteúdo da investigação, porque tramita em sigilo, e que seu gabinete está à disposição para auxiliar, no que seja necessário, a fim de que sejam cabalmente apurados os fatos ocorridos e responsabilizados todos os envolvidos".

Pelo menos três servidores já são alvo da Operação Sisamnes, mas a Polícia Federal avalia que outros nomes ainda podem ser identificados.

Eles são suspeitos de manipular decisões, interferir em processos e vazar informações sigilosas sobre investigações que atingiam magistrados envolvidos na suposta venda de sentenças.

Entre os citados estão Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que também atuou com a ministra e outros integrantes da Corte, e foi exonerado após sindicância interna do STJ; e Rodrigo Falcão, ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.

O Estadão busca contato com a defesa dos servidores e do lobista Andreson de Oliveira. O espaço está aberto.

Mercado de influência

As novas diligências da Polícia Federal no âmbito da Operação Sisamnes - que segundo a mitologia persa, quer dizer juiz corrupto que pega propina - identificaram "a existência de um mercado paralelo de influência", sustentado por contratos milionários de advocacia e consultoria firmados com o propósito de "assegurar decisões previamente combinadas", em vez de se basearem na atuação jurídica efetiva nos processos.

As hipóteses criminais apuradas pela PF, sob condução sigilosa do ministro Cristiano Zanin Martins no Supremo Tribunal Federal, concentram-se em processos de falência de empresas do agronegócio.

Relatório da PF - ao qual o Estadão teve acesso - descreve o esquema como um sistema de "caráter híbrido". O documento preenche 426 páginas. Ele é subscrito pelo delegado Marco Bontempo, que integra a equipe da PF para inquéritos sensíveis de competência do STF.

De um lado, "advogados regularmente constituídos recorriam a intermediários com trânsito nos gabinetes" e movimentavam "valores milionários apenas pela promessa de influenciar o resultado dos julgamentos", sem sequer apresentar petições, memoriais ou sustentações orais.

Leilão

De outro, "servidores e assessores internos exerciam papel estratégico", alterando minutas e ajustando despachos e decisões para "criar condições objetivas à manipulação de resultados".

A PF aponta ainda que a corrupção nesse modelo "híbrido" operava em dois fluxos complementares.

O primeiro, "de fora para dentro", partia das próprias partes interessadas, que buscavam corromper agentes do Judiciário em troca de decisões favoráveis.

O segundo, "de dentro para fora", envolvia a suposta iniciativa dos próprios assessores dos ministros, que "se aproximavam de advogados ou representantes externos para oferecer a venda da decisão", transformando o resultado de um processo em "objeto de negociação e leilão".

Saque de R$ 1 milhão e compra de Rolex

As quebras de sigilo bancário revelam que Zampieri movimentou cifras milionárias em operações consideradas atípicas pela Polícia Federal.

Entre 2019 e 2023, ele transferiu R$ 7,18 milhões para a empresa Florais Transportes, de propriedade do lobista Andreson de Oliveira, que cumpre prisão domiciliar em Primavera do Leste (MT) desde julho, por decisão do ministro Zanin, após parecer favorável da Procuradoria-Geral da República.

A análise das contas de Zampieri pelos federais mostrou "intensa movimentação financeira por meio de saques eletrônicos em espécie", que somaram R$ 12,76 milhões distribuídos em 642 transações.

A PF destacou a "recorrência de valores padronizados e fracionados", especialmente na faixa de R$ 1.500 e de R$ 2.000, além de saques pontuais de alto valor, como R$ 1 milhão, R$ 300 mil e R$ 45 mil, o que reforça o "caráter atípico e fragmentado da movimentação".

Os investigadores também encontraram, na galeria de fotos do celular de Zampieri, registros de depósitos realizados com múltiplos cheques de valor idêntico - R$ 20 mil cada.

A PF afirma que a prática é "comumente associada a estratégias de pulverização destinadas a dificultar a rastreabilidade dos recursos e mitigar a incidência de mecanismos automáticos de controle bancário".

Mensagens extraídas do aparelho do advogado também indicam a compra de relógios da marca Rolex, o que, segundo os investigadores, "reforça o indício de que a aquisição de artigos de luxo integrou o circuito de dissimulação patrimonial do grupo criminoso".

'Volume de dinheiro'

Mensagens de 31 de janeiro de 2020 mostram uma nova cobrança de Andreson a Zampieri. Na conversa, Andreson menciona que "Aroldo", em suposta referência ao empresário Haroldo Augusto Dias, faria uma transferência de R$ 200 mil e que, no mesmo dia, ocorreria "o do Daimler também", em alusão, segundo a PF, ao servidor Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti.

Para os investigadores, a forma como os valores foram citados indica a existência de duas cobranças distintas.

Zampieri, que atuava como intermediário jurídico dos interesses da empresa Fource Participações - dirigida por Haroldo Dias -, era responsável por representar companhias do agronegócio em processos de recuperação de crédito.

"Amigo, e do Daimler?", questiona o lobista.

"Pior que fiz previsão para saque de 100 mil, e a gerente está p**a comigo porque não podem ficar com esse volume de dinheiro na agência. Me falou um monte", explicou o advogado.

"A m***a", irritou-se Andreson.

De acordo com o relatório da PF, o grupo empresarial Fource Consultoria e Fource Participações, controlado por Haroldo Augusto Dias Filho e Valdoir Slapak, foi criado "sob a aparência de empresa especializada em recuperação judicial e reestruturação de companhias em crise".

Na prática, porém, a investigação aponta que o grupo teria sido "instrumentalizado como um mecanismo para burlar credores e manipular processos judiciais em benefício próprio".

O rastreamento bancário confirmou a conexão financeira entre as partes.

A PF identificou 43 transações de crédito e débito entre empresas do grupo Fource e a conta do espólio de Zampieri, totalizando R$ 14,5 milhões.

Segundo a investigação, o fluxo "seguia a mesma lógica de segmentação observada nas funções dos operadores", com movimentações fracionadas e repasses ocultos.

Com a palavra, os servidores de gabinetes de ministros do STJ

A reportagem do Estadão busca contato com as defesas dos assessores dos ministros do STJ citados nos autos da Operação Sisamnes. O espaço está aberto para manifestações.